F G Figueira & Cia.

Divagações, devagações e deformações.

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quinta-feira, 28 de junho de 2007

Trabalhos escolares...


Explicação!!!
trata-se de trabalho de teoria literaria que apresentei na faculdade. o professor é ateu, eu não. ganhei nota máxima, um bocadinho pela audácia em transgredir.

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Introdução;

O livro de Jó é o décimo nono da Bíblia Católica, não está em todas as bíblias justamente por ter uma origem historicamente determinada, é uma narrativa oral de um povo árabe que foi apropriada por um sábio Hebreu em tempos de exílio no deserto e teve seu discurso redirecionado em outro sentido, de resignação para o povo em exílio. Tendo sido novamente remendada a história num momento pós-exílico, visto que a resignação de outrora não era mais necessária, as intermitências do deserto haviam cessado. Justamente por essa origem histórica determinada é que para algumas religiões esse livro não deve ser considerado de inspiração divina, estando apartado de seus livros sagrados.

Na multiplicidade de discursos distintos e historicamente determináveis é que poderemos analisar o Livro de Jó pela teoria literária, é um emaranhado de discursos, de enunciadores diferentes que podem ser identificados com certa facilidade no corpo do texto.

A escolha do texto trabalhado foi feita principalmente pela possibilidade de usar um leque maior dos assuntos apresentados em aula – a Teoria da Leitura, como proposta na análise do texto de Júlio Cortazar; as diferenças entre o romance e o texto oral de Walter Benjamin; o elemento de verdade e real em toda história ‘fantasiosa’ como diz Vargas Llosa- em fim, a Literatura como uma pratica discursiva, conforme foi apresentado e demonstrado durante todo o curso.


1- O Texto e Considerações;

O início livro de Jó é a cristalização de uma narrativa oral proveniente da região de Edom, tendo sido difundida entre o povo hebreu pelos edomitas por diversas oportunidades de intercâmbio cultural entre esses dois povos na antiguidade, como é expresso em várias passagens do texto bíblico, por todas, Jeremias 49, 7 e Abdias 1-21. A figura de Jó como sinônimo de vida na fé é inclusive citado em vários momentos de outros livros com data anterior ao de Jó, o que demonstra a popularidade da história oral de jó entre os hebreus , por todos Ezequiel, 14.

A narrativa edomita em si se resume a primeira parte do livro, feita em prosa e que apresenta a problemática tratada na prosa – que chamamos de Prólogo. Nesta é apresentado ao leitor o retrato de um homem justo, íntegro, inocente e apartado de qualquer erro. A estrutura proposta nesta parte do livro é bem sucinta, Jó por ser um homem bom e justo tem por prêmio sua prosperidade: filhos e filhas boas, rebanhos e empregados. Era um homem abençoado por causa da sua justiça e integridade. É um paradigma de perfeição humana e de vida (por conseqüência).

Num plano outro, transcendental e invisível, que muito aparenta o plano divino da mitologia greco-latina, há uma reunião onde Deus conclama a corte celeste a fim de deliberar sobre os caminhos mortais. Neste cenário é proposta a querela principal da história “o Satã”, personagem com uma função fiscal ( é quem anda pelo mundo) questiona se é a troco de nada que Jó é tão religioso ? , em outra dita, questiona se não seria justamente pela bonança e prosperidade que Jó é tão integro, questiona se essa atitude não é motivada pelo puro interesse – fidelidade em troca de prosperidade. Desafia então a Deus para que este permita que Jó perca seus pertences e sua bonança, para ver se mesmo pobre ele é capaz de fidelidade gratuita, sem nenhuma recompensa material. Tendo o desafio sido aceito Jó é despojado de seus bens, sua família e seus empregados, mas ao contrário do que esperava o desafiador não maldiz a Deus. Ao contrário, reconhece que Deus que lhe deu tudo tem o direito absoluto de dispor de tudo que lhe havia dado, joga por terra as pretensões de “o Satã”, pois Jó mostra-se grato por ter recebido a prosperidade, entendendo que, quem lhe deu possa também retirar.

Até esse ponto do Livro temos a cristalização de uma narrativa oral de um povo árabe. É a consubstanciação final de uma produção cultural, construção de inúmeros autores que, embora incertos, são sócio-históricamente delimitáveis. Há um discurso sendo produzido de inúmeros enunciadores que se expressam, todos em conjunto, por intermédio do escritor bíblico. O que se há dito por essa massa histórica de enunciadores é que Deus, se tira algo é por que ele mesmo deu, não há, pois, que se reclamar disso. É típico do narrador oral que suas histórias tenham um “desfecho moral”, é um conselho que é dado por meio da narrativa[1].

Em seguida inicia-se a parte do texto composta por um dos sábios hebreus durante o exílio[2] do povo no Egito, neste momento também se inicia o texto em verso, marca característica do antigo testamento, principalmente do grupo de Livros Sapienciais onde está inserido. É o momento em que Jó é acossado de uma grave enfermidade e que três amigos vêm visitar-lo. Os três novos personagens, em síntese concluem que a situação em que se encontra Jó só pode ser resultado de más ações suas. É durante o debate entre os quatro personagens que é apresentada de forma clara a dogma da retribuição, pela qual cada um receberia da divindade na proporção das suas boas ou más ações. Seria a dinâmica desta vida, visto que para a religiosidade desse povo não haveria a vida pós-morte, que para a nossa cultura é o balsamo de todos os questionamentos sobre o sofrimento.

A dogma da retribuição é a explicação ontológica para o sofrimento, é esse o fato humano que transforma esse texto compreensível para diversas épocas e lugares, é esse o questionamento que permeia a mente humana, as relações humanas de modo geral, a busca de uma explicação para a origem de todo sofrimento. Não é um questionamento que deixou de fazer sentido nos dias atuais, é algo vivo e representativo para quem lê. O enunciatário compreende o que lhe é dito, pois, ele mesmo consegue – e pode e faz – questionamentos sobre a origem de todo o sofrimento humano.

Em meio às acusações severas de que teria feito algo de injusto e de impuro, Jó que em todo momento afirma sua inocência, pede uma audiência com o próprio Deus para questionar-lhe seus motivos. É importante essa passagem, pois expressa uma pretensão de igualdade entre o sofredor e a divindade. Há uma proposta de que Jô poderia dialogar e persuadir racionalmente o seu perseguidor ( que ele supõe o próprio Deus). Essa pretensão é ironizada e debatida entre os seus interlocutores, que vêem um debate entre um homem e Deus uma realização impossível tendo em vista a natureza diferente de ambos. Aí reside um acerto dos amigos de Jô, como será apresentado na seqüência, há realmente uma mensagem que é transmitida de origem divina, mas essa não se realiza por meio de um diálogo, é por uma tempestade. Neste ponto o discurso é muito coerente não só com o próprio texto bíblico, mas também com a Lingüística de hoje, vejamos, se a língua é um fato social onde determinado grupo categoriza o mundo que o circunda e, se Deus veio antes do mundo que conhecemos - inclusive é o criador do mesmo -, não poderia utilizar a fala, por ser esta atualização da língua[3]. Nesse jogo de lógica arriscado situamos o evento da mensagem divina vinda por intermédio da tempestade, muito embora não esteja escrito desta forma no texto e, certamente, não tenha sido desta maneira a intenção do enunciador antigo, é desta maneira que percebo, na qualidade de enunciatário – estudante de letras – há uma mensagem que recebo e que se soma a toda a carga cultural que já tenho, resultado disso é a transformação produzida na minha visão de mundo, o a modificação cultural [4]– nem acréscimo, nem decréscimo, apenas uma modificação.

No epílogo do livro, que foi acrescentado posteriormente ao exílio do povo hebreu, o novo enunciador desconstrói o que o enunciador exilico produziu em Jô 3,1-42,6. Toda a tentativa de desvencilhar do dogma da retribuição, uma obra para que os exilados deixassem de lado uma concepção mercantilista da religião, um certo apelo ao conformismo com a situação presente. Acontece que a penúria não durou para todo o sempre e ao seu cabo, o antigo discurso já não ecoava da mesma maneira para os ouvintes. Um outro enunciador , desta forma, “remenda” o discurso do livro trazendo a tona novamente a validade do dogma da retribuição. O que há de universal, de particularmente geral, neste discurso (novo) é o interesse que permeia as relações humanas em afirmar que a sua prosperidade e riqueza são dons divinos, em retribuição à sua justiça e retidão moral. O epílogo anula, assim, tudo que havia sido dito, de certa monta, quem sai com a razão é mesmo “o Satã”, que comprova que não há religião gratuita e que a relação com Deus , no fundo é um comércio. O Discurso desenvolvido neste último trecho é , em suma , a negação de todo o desenvolvido pelo enunciador exílico.

2- Implicações Discursivas e Teoria da Leitura;

O primeiro questionamento que temos que fazer quando realizamos um trabalho de Teoria Literária utilizando um texto bíblico é demonstrar a viabilidade do labor, ou seja, mostrar que dentro de um texto dito “religioso” pode sim ser visto uma obra literária.

O discurso literário é uma especialização entre outros discursos, pode ser caracterizado pela teoria da leitura[5]. A leitura realizada em uma obra literária requer um afastamento do leitor, requer que o enunciatário se ponha a uma distância de não envolvimento com a trama, as personagens existem na medida do papel sem implicações externas. Deste modo pode haver o compartilhamento de experiências entre o enunciador e o enunciatário, feito por meio do discurso e que tem como motivo e conseqüência a modificação cultural do leitor. Em outra ponta temos o discurso religioso que pode ser marcado pela leitura de imersão, em que o enunciatário traz do papel os fatos narrados , dando àquele mundo uma existência social. Na leitura do discurso religioso a mensagem não é lida para incrementar culturalmente e sim para existir socialmente para o enunciatário, ele não adquire determinada experiência, mas passa a ser socialmente determinada experiência.

Outro ponto de consideração que permite traçar a linha de separação entre o discurso literário e o religioso é a relação entre o enunciador e o enunciatário. No discurso literário há dois sujeitos humanos, historicamente determinados (ou determináveis) em situação de diálogo, numa situação de compartilhar de experiências. De maneira adversa, o discurso religioso há só um sujeito humano, do outro lado há um enunciador divino, não humano, impossível de localização sócio-cultural, superior e transcendental. Não há também aqui um compartilhar de experiências e sim uma revelação de verdades.

Supomos que, pelo exposto, resta demonstrada a viabilidade de entender este texto como uma obra literária, respeitando suas nuanças e particularidades provenientes tanto da origem múltipla quanto da posição dentro da coletânea onde se encontra. Apesar de todas as singularidades, se tomarmos a proposição de literatura como uma prática discursiva, que se constitui pelo conjunto de seus elementos, é certo que o livro de Jó é um texto Literário, marcado principalmente pelo leitor literário, que pode ser o mesmo ou não do leitor religioso.

3- Do Particularmente Universal;

Um grande questionamento quando falamos em literatura é precisar o que faz de tal ou qual livro um sucesso de vendas ou uma história “universal”. Ao sopesar estas perguntas chegamos a outros questionamentos, quais sejam, como é possível que um leitor de séculos depois, filho de uma cultura completamente diferente, possa compreender o enredo narrado. Isso é possível, pois, a literatura – ou pelo menos aquela que ‘fica’ e se imortaliza – não conta apenas uma história, vai além do que é contado, diz coisas acerca do próprio ser humano e de suas relações. A literatura fala de modo compreensível da própria essência humana, tão incompreensível a nós, mortais. São as verdades indizíveis do homem sendo contadas e expressas, mas não ditas.

No livro de Jó temos uma reflexão sobre a origem do sofrimento. Na medida em que a pobreza e a miséria são conseqüências da própria maneira do homem agir em sociedade é obvio que os questionamentos sobre o a dor e degradação daí provenham. Torna-se compreensível por todos os cantos e por todos os tempos justamente por isso, por que o sofrimento humano também é, daí a busca por explicações é inevitável.

A incredulidade religiosa não é óbice para a leitura deste livro como literatura, muito ao contrário.Para Mário Vargas Llosa[6] , que sustenta que haja verdades e mentiras, a literatura é uma forma de dizer aquelas verdades “indizíveis”, que de outra forma não poderiam ser expressas. O Signo da palavra é uma forma de categorizar – conhecendo e (re)criando – o mundo. A literatura pode ser tida como expressão de cultura, um suporte simbólico disponível à produção, circulação e consumo de experiências humanas – categorizando - as por sua vez.

O simbolismo literário não seria possível se se tratasse de mentiras. Um escrito de inverdades não poderia ser compreendido pelo enunciatário, não teríamos, desta forma, um discurso. A “verdade” que há em toda literatura são os fatos humanos que permeiam todas as relações. Quando um texto é escrito há um congelamento das tensões e conflitos humanos a partir de uma perspectiva, por sua vez quando o texto for lido há uma retomada do compartilhamento de experiências, um fato social. Este é o diálogo que permite o discurso, feito entre dois “sujeitos humanos” historicamente determinados.[7

4- Referências Bibliográficas

LLOSA, Mário Vargas. A Verdade das Mentiras. São Paulo: Arx Editora, 2004.

RIBEIRO, Luis Filipe. Geometrias do Imaginário. Santiago de Compostela: Edicións Laiovento, 2000.

CORTÁZAR, Júlio. A Continuidade dos parques in Relatos. Buenos Aires: Editorial Sudamerica, 1970.

WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.

SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Lingüística Geral. São Paulo: Cultrix Editora, 2006.

BENJAMIN, Walter – Tradución de Roberto Blatt. El Narrador. Madrid : Taurus Ed. 1991.

STORNIOLO, Ivo. O Livro de Jó, O desafio da Verdadeira Religião.São Paulo: Editora Paulus, 2005.

GABEL, John ; WHEELER, C. B. A Bíblia como Literatura. Rio de Janeiro : Editora Loyola, 2006.

Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Editora Paulus. 2006



[1] BENJAMIN, Walter – Tradución de Roberto Blatt. El Narrador. Madrid : Taurus Ed. 1991.

[2] LARCHER, C. Notas de Introdução in Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Editora Paulus. 2006.

[3] SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Lingüística Geral. São Paulo: Cultrix Editora, 2006.

[4] WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.

[5] CORTÁZAR, Júlio. A Continuidade dos parques in Relatos. Buenos Aires: Editorial Sudamerica, 1970.

[6] LLOSA, Mário Vargas. A Verdade das Mentiras. São Paulo: Arx Editora, 2004.

[7] RIBEIRO, Luis Filipe. Geometrias do Imaginário. Santiago de Compostela: Edicións Laiovento, 2000.

quarta-feira, 6 de junho de 2007

as mentiras da verdade


A verdade é a mais opressora das mentiras. Mentiras são as verdades mais sinceras que um homem pode contar. O que compreendemos é uma pequena parcela, em forma de representação interna de tudo que nos cerca. Quando um sujeito escolhe uma possibilidade e toma aquilo como único está excluindo as demais possibilidades. È a escolha de uma verdade que prolifera as mentiras no fim das contas. È como o Satanás que cria a Deus pra justificar a própria existência. E não para aí o egoísmo da ‘posição correta’, vai alem de excluir do próprio sujeito as infinitas outras possibilidades, o autor da verdade é cego a ponto de não ver o “mais-potencial” e também mesquinho a ponto de excluir dos demais sujeitos as possibilidades de sujeição da realidade.

Mentiroso é aquele classificado pela incoerência externa, aquele que afirma algo não esperado dele, mesmo que haja em suas assertivas a coerência interna. È interessante isso por que a sinceridade tem nesse ponto um “que” de falsidade quando é definida pela perspectiva de uma força externa. A sinceridade tem sua gravidade deslocada, deixa de ser o compromisso intimo conosco mesmos e vai ser uma maldita subordinação ao q é esperado. Por isso digo que podem ser mais sinceras que as verdades , é a sinceridade do homem de espírito livre, q só tem compromisso consigo.

Neste ponto que o homem se diferencia dos outros animais. Somos a única espécie q mente. Por que somos a única espécie que pretende dizer a verdade.

Os fatos do mundo não são nem verdadeiros nem falsos.

A mentira são os excluídos da verdade. Criados juntos. Sem abismos de diferença entre ambos. Apenas uma questão de perspectiva.